SONETO DE OUTUBRO

Eu sou de abril; ela, do mês de outubro
Somos de signos muito diferentes
Ela gosta do branco, já eu, do rubro
Sou Lua cheia; ela, quarto crescente.

E num gesto inesperado descubro
Que mesmo em distância latente
Num mistifório louco e alvirrubro
Encontram-se estrelas divergentes.

E desse lado oculto de um desejo
Brota suavemente aquele enredo
Talvez desenriçado do Destino

Que desvendou o velho bom segredo
E num pálido olhar tão repentino
Renasce a razão pela qual versejo.

MORTUÁRIO

Morrera numa quarta-feira de cinzas
Como toda ilusão
Era uma tarde quente
Sem nuvens ou lágrimas que abrandassem o ocorrido
Não houve convites, avisos
Nem adeus
Morte súbita
Embora não tivesse sido surpresa
Porque não fora a primeira de suas mortes

Já acostumado a tantas
Não passou de uma data marcada num calendário
Calejado
Corroído pelo pó e mofo

Morreu
Apenasmente e somente

Talvez para renascer e maltratar e morrer
Como um aborto
Inesperado
Dolorido
Ou flor
Que teima entre espinhos
E da dor e lamento, a beleza
Verdeja porém

Após um enterro sem esplendores
Ganhou uma lápide
Mármore carrara
Com uma inscrição em letras góticas:
“A incerteza fora meu veneno”
Amor Sousa da Silva